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SISTEMAS DE PROTEÇÃO CONTRA QUEDAS

Por Irivan Gustavo Burda e Ítalo Herrmann

Escadas fixas verticais, escadas “marinheiro” e as gaiolas como proteção dos trabalhadores – realidades e mitos. 

O mercado de trabalho atual busca cada vez mais a preservação dos recursos, humanos e materiais, como uma ferramenta que aumenta a eficiência e assim a produtividade. Treinar um novo trabalhador para executar uma função leva tempo e requer investimento financeiro e de tempo que hoje se mostram sinônimos. Os acidentes de trabalho muitas vezes levam ao afastamento temporário do colaborador o que certamente leva a algum tipo de prejuízo para o trabalhador e para a organização. Porém, existem aqueles casos em que o trabalhador perde sua vida e nunca mais retornará a sua função ou a sua casa e aos seus familiares, ou aqueles que levam à invalidez. Estes acidentes deixam uma marca profunda na sociedade. De acordo com o Observatório de SST, entre 2012 e 2021, os acidentes relacionados a quedas (com e sem diferença de nível) foram 6% de todos os acidentes, este número sobe para 9% dos acidentes fatais de queda com diferença de nível. Ou seja, a queda de altura é um setor crítico e atualmente perde apenas para acidentes de trabalho envolvendo motocicletas (11% dos óbitos). Sabemos ainda que, em termos de estatísticas no Brasil, existe uma quantidade relevante de subnotificações que não entram nestes levantamentos.

De acordo com a OSHA, organismo do trabalho nos EUA, em uma pesquisa na área da indústria da construção, 23% dos acidentes em altura acontecem em escadas, logo depois dos telhados onde acontecem 33% dos acidentes fatais. Infelizmente os dados detalhados são escassos para podermos entender a realidade do uso das escadas, sejam verticais, portáteis ou íngremes, mas sabemos que o perigo maior não é a escada e sim a altura. Com ou sem a escada uma queda de altura tem grande potencial de dano ao nosso corpo. Nesta equação o que leva ao resultado é apenas a combinação entre a massa do trabalhador, a altura da queda e a gravidade, sendo a escada apenas um facilitador para aumentar a altura da queda.

Sistema de Proteção Individual contra Quedas

Muito do que hoje é usado para sistemas de proteção contra queda em altura veio de um passado distante com origem na navegação. As cordas evoluíram muito em fabricação e resistência devido às demandas do trabalho embarcado. Até hoje usamos o mesmo termo “ancoragem” para se referir a um ponto firme de conexão, no caso dos navios ao fundo do mar e no caso da altura a uma estrutura. Temos muitos outros exemplos como os nós utilizados, as reduções de polias e muitas técnicas de trabalho vertical. A escada “marinheiro” foi um dos recursos que migrou quase que naturalmente dos navios para os edifícios sem muitos questionamentos em uma época em que a segurança do trabalhador provavelmente sequer era cogitada. Nos navios tinha a função de proteger o marinheiro de duas situações, uma carga que pudesse se soltar e prensar a pessoa na escada; e evitar que ele fosse lançado da escada devido aos balanços do mar agitado. A sociedade evoluiu com o tempo e hoje a perda de vidas não é mais tolerada.

A escada “marinheiro” é aquela escada vertical fixa envolvida por uma “gaiola” metálica que se acreditava que seria um sistema de proteção contra quedas. Hoje já existe um consenso que é pouco provável que uma pessoa consiga “se agarrar” e assim evitar uma queda acidental. Devemos usar o SPIQ, sistema de proteção individual contra quedas, caso estejamos expostos ao risco de queda com diferença de nível superior a 2 m de altura. Somente um sistema de retenção de quedas pode “minimizar” os efeitos de uma queda. Digo isso, pois estes sistemas têm limitações e a implementação do tipo mais adequado depende de uma análise de risco consistente com o trabalho a ser realizado e as condições do ambiente de trabalho.

Existem vários fatores que explicam a dificuldade do ser humano segurar com as mãos a própria queda, entre elas o tempo de reflexo e a relação força/peso da pessoa, mas estas considerações somente são possíveis de serem feitas assumindo que a pessoa está alerta e em perfeitas condições. Pessoas alertas raramente caem, as quedas ocorrem devido a alguma deficiência no momento, seja de força ou atenção, ou um mal súbito que pode ocorrer. Esta pessoa já caiu por algum desvio da normalidade e mesmo quando em estado de alerta a chance de se “agarrar” é remota, com o susto e as limitações nem a sorte irá ajudar. Para uma pessoa inconsciente conseguimos visualizar que a “gaiola” realmente não terá qualquer serventia a não ser agravar as lesões, diferente de um SPIQ que irá minimizar as consequências.

Com isso evidenciado, em 2004 a HSE (regulador nacional da Grã-Bretanha para SST) realizou um estudo preliminar de quedas em escadas com gaiolas para entender a realidade de como ocorrem esses acidentes e buscando descaracterizar em definitivo a “gaiola” como um EPC. Foram realizadas 18 quedas com um “boneco antropométrico” que estava instrumentado com diversos sensores. Este estudo preliminar, RR258, levantou a gravidade da questão. Em 2011 foi realizado um segundo estudo, com a busca de responder um questionamento originado pelo primeiro – a gaiola e o SPIQ são compatíveis? Este segundo estudo mais profundo com 65 quedas, tanto em escadas com gaiolas como em escadas equipadas com SPIQ, RR657, demonstrou que a gaiola é um agravante ao acidente de queda e conflita com a melhor funcionalidade do SPIQ. A “gaiola” leva a uma cinemática de trauma onde a pessoa já chega ao solo provavelmente muito machucada. A possibilidade de reter a queda existe via o “enroscamento” de membros, porém com sérias consequências para a vítima. Sem falar nas complicações que impõe ao resgate, dificultando e atrasando uma atividade em que o tempo é crucial. Após este estudo, a Inglaterra reviu todas as exigências sobre escadas com gaiolas.

Em 2017, a OSHA, nos EUA, também determinou que as escadas construídas a partir de 2018 já não deveriam ter as gaiolas instaladas e deu um prazo até 2036 para que as escadas já existentes/instaladas tenham suas gaiolas retiradas. A Europa tem sido mais cautelosa e tem realizado estudos da compatibilidade entre a gaiola e os sistemas de retenção de quedas existentes de maneira a encontrar um caminho seguro, mas de menor custo, pois a remoção das gaiolas é complexa, arriscada e lenta. Estes estudos ainda estão em andamento e devemos em breve beneficiar nossa segurança e possíveis decisões podendo contar com novos dados e informações.

Mas e o Brasil, onde estamos? A nova NR-18, publicada em 2020, e em vigor a partir de janeiro de 2022, já deixou de exigir a gaiola, assim as escadas verticais dentro do setor da construção civil devem ter SPIQ instalado nas escadas e não mais gaiolas. Um ganho de segurança para o trabalhador e um menor custo na implantação da escada, todos ganham. A revisão da NR-35 foi mais à frente, pois baniu também os eixos paralelos a cada 6 m. Agora, podemos ter escadas em lances únicos com descansos laterais. A razão dos eixos paralelos era ter uma plataforma a cada 6 m como forma de reter a queda do trabalhador, caso ele não se agarrasse na gaiola, ele pararia na plataforma, se iria sobreviver é outra questão. Um único eixo permite uma única linha de vida da base ao topo da escada, evitando manobras de conectar e se desconectar de várias linhas no caminho, bem como a ter uma única ZLQ crítica de 2m a partir do solo. Nos eixos paralelos renovamos 2 m críticos de ZLQ a cada 6 m de escada, ou seja, colocando o trabalhador novamente sob o risco de em caso de queda atingir a plataforma ou algum obstáculo.

Infelizmente, ainda temos normas e textos defasados que recomendam o uso da gaiola como sistema de segurança. Alguns citam que a gaiola é preferencial ao SPIQ, pois o trabalhador não precisa de treinamento como é exigido para o uso do SPIQ. Nada mais falso – ver quadro comparativo nesta matéria! Perguntamos a você leitor, alguém consegue se agarrar em uma queda sem ter nenhum treinamento? Desafiamos a todos a tentarem, porém não nos responsabilizamos pelo resultado, pois é muito provável que sofra alguma lesão séria. Acreditamos que nenhum trabalhador tem a obrigação de

ser trapezista para poder subir uma escada vertical. Uma queda consciente não é uma queda é um “pulo”, o reflexo somente identifica uma queda real quando ela já aconteceu!

Esperamos que todas as entidades que zelam pelo trabalho em altura sigam pelo caminho da evolução e do entendimento que a vida é mais importante. Infelizmente, a altura é um risco muito aceito pela sociedade em geral. Somente com regulamentações, formação de técnicos e trabalhadores para o setor de altura, trabalhos acadêmicos de pesquisa com muitos ensaios e produção de conhecimento, com estatísticas reais, conseguiremos evitar a perda de mais vidas.

Referências:
https : //www.h.gov.uk /pesquisa//rrpdf/rr.pdf
https ://www.hse.gov .uk /pesquisa/rrpdf//rr657.pdf
https : //www.osha.gov/leis -regs/regulamentos/númeropadrão//191/1910.28
Observatório de SST: https ://smartlabbr.org/sst
ZLQ – Zona livre de queda, altura mínima que engloba o comprimento do elemento de ligação (e seu absorvedor de energia) + altura do ponto de conexão ao pé do trabalhador (1,5m) + altura de segurança (1m).
Artigo elaborado pela Comissão de Estudo do ABNT/CB-032 – Dispositivos de Ancoragem e Equipamentos Auxiliares do Sistema de Proteção Individual Contra Quedas (CE -032:004.004)
Coordenador: Irivan Gustavo Burda – Secretário: Italo Herrmann.

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